Rua 47 (1994)
RUA 47
Fê Lemos, Loro Jones, Flávio Lemos, Marcello Laurent
Na rua 47
Os homens que passam
Sabem onde vão
Na rua 47
As mulheres que pensam
Sabem onde pisam
Na rua 47
Quem não sabe nada
Não faz porra nenhuma
Depois de um dia de merda
Eu estava a fim de diversão
E entreguei minha grana
Na mão de um irmão
Mas aqui a amizade
É irmã da traição
Nas sombras
Eu fui passado pra trás de novo
Não vou deixar barato a malhação
Pode parecer papo furado
Mas hoje não saio trapaceado
Na rua 47
Eu fui atrás do cara
Pegar o meu dinheiro
Na rua 47
Ele arriscou
E sacou primeiro
Na rua 47
Tem um corpo estendido no chão
Mas não é o meu!
A LEI DA METRALHADORA
Fê Lemos, Flávio Lemos, Loro Jones
A violência fecha o cerco
A maldade toma forma
O Pior dos pesadelos
É aquele que retorna
E cada vez mais fundo corta
Quem não tem nada a perder
Não espera pela paz na morte
E da vida faz a guerra
Enquanto ainda é forte
Esmurra sua cara feia
Rouba o sangue de suas veias
A cidade que já foi
Um dia acolhedora
Se curva, se entrega
À metralhadora
Fria, triste e sombria
Na aparência ainda engana
Ainda encanta até o dia
Que a rajada te alcança
Quem não tem nada a perder
Não espera pela paz na morte
E da vida faz a guerra
Enquanto ainda é forte
PIQUE-ESCONDE
Fê Lemos, Loro Jones, Murilo Lima
Você me procura
Sempre me persegue
Onde quer que eu vá
Eu sinto a sua mão
Tento me esconder
Esquecer a pressão
Não me permite um momento
Você me tortura
Assédio sem fim
Não há mais jeito
Nem chance de hesitação
Me entrego aos seus braços
Me estrague com seus laços
Faça de mim o que você quiser
Eu não posso evitar
Aberta eu deixo a porta
O devaneio se realiza
E a conseqüência não importa
Corroído pelo ácido
O limite é destroçado
Às correntes eu sucumbo
No calabouço o instinto é básico
DESDÊMONA
Karaibas, Loro Jones & Murilo Lima
Você quer o meu amor ou a minha morte
Se estou vivo até hoje é por sorte
Sou presa fácil, desprotegida
Você é minha bala perdida
Eu estou para você
Como um anjo para a cruz
Você está em mim
Como as trevas para a luz
Meu peito já sentiu tua facada
Eu preciso de ajuda, de ajuda
Você cospe no meu rosto
Eu sempre vou te amar
Caso um dia você tente
Tente me matar
Com um beijo na minha boca
Sem veneno na sua língua
Com um olhar jogado ao vento
Na sua tela, a minha tinta
Descobrindo a nova terra
Nessa história que nos liga
Com a vida segue a morte
Ou uma vida desconhecida
Subo ao céu e desço ao inferno
Para mim nós somos
Como dois sonhos eternos
MIL VEZES
Mark Rossi, Loro Jones
Há sempre alguma coisa
Que esquecemos de dizer
Os dias nunca são tão longos
Quanto poderiam ser
Acho que às vezes
Compreendo quando tentam me dizer
Tudo o que acaba
Antes de acontecer
É o que poderia ser
É o que poderia ser
São tantas faces diferentes
Vindo pela contramão
Os rostos se confundem
Como pegadas pelo chão
Mil vezes tentei te encontrar
Mas te perdi na multidão
Mil vezes tentei te encontrar
Nada justifica
Essa minha pressa de chegar
Todos os caminhos levam
Ao mesmo lugar
Pelas ruas
Cidade morta
Minha história escrevo
Por linhas tortas
Teu rosto me confunde
Teus olhos têm a cor da solidão
Mil vezes tentei te encontrar
Mas te perdi na multidão
Há sempre tantas coisas
Que deixamos de fazer
Noites... nunca tão longas
Noites... nunca tão longas
A SAGA DO HOMO BABACA
Fê Lemos, Loro Jones, Flávio Lemos
Quando um homem
Caminha pelo mundo
Em busca do sentido da vida
E tudo que encontra
São becos sem saída
Será que ele está perdido
Ou é apenas um homo babaca?
Quando um homem
No vale da morte
Escuta um aviso
Mas não olha para trás
Porque acha que passou o perigo
Será que ele é forte
Ou é apenas um homo babaca?
Quando um homem
Descola uma mulher
E na hora de levá-la pra cama
Saca que se deu bem só pela fama
Será que ele é tudo isso
Ou é mesmo um homo babaca?
E se ele na hora do conflito
Diz que não tem nada a ver com isso
Caga montes para quem
Sempre esteve ao seu lado
Será que ele não está errado
E é mesmo um homo babaca?
E quando ele
Decide se arrepender
Mas duvida do seu próprio poder
E se agora num mar de angústia
Cada vez mais irado e encurralado
Será que ele precisa de ajuda
Ou devemos deixá-lo morrer?
Essa é a saga do homo babaca
Espécie em extinção, que nada
Tá crescendo mais que praga
SOLTEM OS LEÕES
Fê Lemos, Flávio Lemos, Murilo Lima
Eram o fim do pesadelo
Os mortos me acordaram
E me contaram da dor
Dos que ali tinham esperado
Me lembrei da minha vida
De todos que eu tinha deixado
Pra seguir o seu caminho
E morrer dilacerado
Só agora, muito tarde
É que tudo ficou claro
A mão que guia o fraco
O abandona depois de usá-lo
Solte os leões!
Foi o grito que eu ouvi
Eu me ajoelho ao senhor
Foi o remédio que eu aprendi
O delírio da multidão
O cheiro de sangue no ar
Minha fé me trouxe aqui
Mas daqui não vai me tirar
As grades se abriram
A claridade me cegou
Mãos impunes me levaram
Meu carrasco, o meu salvador
SEPARAÇÃO
Fê Lemos, Loro Jones, Murilo Lima
Sempre que passo por aqui
Penso: será que ainda
Posso entrar e ver
Como está tudo com você
Estou quase me esquecendo
Mas ainda me lembro muito bem
Estou quase tão distante
Mas ainda volto num instante
Desde que deixei você
Mas quem será que deixou quem
À solidão me lembra muito bem
Não existe mais ninguém
Quando eu passo eu paro
Penso no que pode acontecer
Se eu entrar e ver
Que você ainda está aqui
Estou quase te dizendo
Mas ainda calo, me detenho
Estou quase me jogando de joelhos
Aos seus pés, me jogando sobre você
Agora que peguei você
Mas quem será que pegou quem
Seu sorriso me lembra muito bem
Já sorri assim também
PROJETOS ENGAVETADOS
Fê Lemos, Loro Jones, Flávio Lemos
Projetos engavetados
São decisões congeladas
De pessoas decididas
Que se acham poderosas
E querem vê-los
Implementados
Qualquer dia implantados
No plexo do planalto
Em pleno vigor
Ocupando todo o espaço
Que julgar conveniente
Mesmo que desnecessário
A sub-comissão que debate
A regulamentação
Do ante-projeto
Carece de gabarito
Por ignorar a legislação
Suspendem a sessão
Retornam aos gabinetes
Consulta os assessores
Sobre as regras de conduta
Do protocolo de otimização
Do projeto engavetado
Qualquer dia implantado
No plexo do planalto
DANAÇÃO
Fê Lemos, Loro Jones, Murilo Lima
Eu estou amaldiçoado
Por uma danação
Demo -lição na minha cabeça
Um trator no meu coração
Destruição
Perseguição sem fim
Eu quero esquecer
Que você existe
Pisar nas flores
Do seu jardim
não sei
Como eu consegui
Não matar você
O meio da rua
É o fundo do poço
A luz da janela
É o começo do vôo
No meio da luz
Eu só vejo o escuro
No fim da queda
Estarei livre de novo
PELE-VERMELHA
Fê Lemos, Flávio Lemos, Loro Jones, Murilo Lima
Tua boca é o alimento
Que põe o meu desejo em movimento
Tua mão é a chave
Que traz minha alma à liberdade
Teu olho é o farol
Que me afasta do caminho do mal
Teu corpo é a alavanca
Que me arranca da boca de lama
Teu toque é violento
Me empurra pra fora
Me puxa pra dentro
Teu cheiro é cachaça
Me afoga em vinho
Me embriaga
Teu sexo é a razão
A certeza na pele, a beleza do cão
Tua razão é a loucura
De quem foge enquanto te procura
Dor, paixão
Você é minha bênção
Minha maldição
A voz que no meu ouvido sussurra
É luz no túnel, dos males a cura
/ FICHA TÉCNICA /
1994 - RUA 47
Gravadora: Qualé Cumpadi Records
Lançamento: Março de 1994.
Produzido por Loro Jones, Fê Lemos, Flávio Lemos e Murilo Lima. Gravado e mixado no Estúdio RAC, em São Paulo , entre 6 de janeiro e 12 de fevereiro de 1994. Gravado por Guilherme Canaes e mixado por Guilherme Canaes e Capital Inicial.
/ CRÍTICA /
1994 - RUA 47
Ano 10 - nº 9 Edição 110 - Set.1994 Revista BIZZ
CAPITAL INICIAL - Depois da defecção do cantor Dinho - chega com novo vocalista, Murilo Lima ex-Rúcula. Em Rua 47, primeiro lançamento pelo selo independente dos rapazes, Qualé Cumpadi? o grupo parece ter abandonado as raízes punks brasilienses para se espelhar o grunge com tiques de metal a faixa-título lembra Black Sabbath meio marretado. Um detalhe o CD vem em uma latinha de metal idêntica ao do álbum Metalbox, do PIL. Pode ser um bom invólucro para o disco ou mesmo para outras coisas-uma língua ferina soprou por aqui que podia ser para "exame de fezes".